ONU cobra ações do Vaticano para combater a pedofilia na igreja
Durante muitos anos, abusos de religiosos católicos foram acobertados por seus superiores
O Comitê da ONU para os Direitos da Infância pediu nesta quinta-feira
(16) à Igreja Católica que atue com maior resolução contra os abusos
sexuais de menores, um enorme escândalo que a Santa Sé é acusada de ter
tentado abafar.
"O exemplo que a Santa Sé precisa dar deve assentar um precedente. Tem
de marcar um novo enfoque", afirmou Sara Oviedo, integrante da equipe de
investigação deste comitê das Nações Unidas.
A investigadora fez seus comentários em uma audiência na qual, pela
primeira vez, uma delegação do Vaticano prestou explicações aos
especialistas do Comitê para os Direitos da Infância admitindo os abusos cometidos por religiosos católicos contra menores.
Sara denunciou que, na gestão dos escândalos de pedofilia por parte da
Igreja Católica, "se deu preferência aos interesses do clero".
— A Santa Sé não estabeleceu nenhum mecanismo para investigar os
acusados de realizar abusos sexuais, nem tampouco para processá-los.
Sara também criticou as medidas tomadas pelo Vaticano com os autores de
abusos sexuais contra crianças. Segundo ela, "as punições aplicadas
nunca parecem refletir a gravidade" dos fatos.
"Sabemos que ocorreram avanços", reconheceu, perguntando, no entanto,
se as crianças "têm a possibilidade de serem ouvidas, sobretudo quando
se trata de vítimas".
A ONU também pediu à delegação vaticana mais informações sobre os
membros e os objetivos da comissão criada pela Santa Sé em dezembro para
a proteção dos menores.
Por mais de uma década, a Igreja Católica se viu atingida por uma série
de escândalos de abusos sexuais cometidos por religiosos contra
menores, que começou na Irlanda e se estendeu para Alemanha, Estados
Unidos e vários países latino-americanos, como México.
Os abusos foram frequentemente acobertados pelos superiores dos
autores, que, em muitos casos, os transferiram a outras paróquias, em
vez de denunciá-los à polícia.
Papa: vergonha da igreja
O Vaticano, que começou tomando a palavra na sessão desta quinta-feira,
defendeu sua gestão ante a ONU, ressaltando uma política de luta contra
a pedofilia "articulada em diversos níveis".
O embaixador do Vaticano na ONU em Genebra, Silvano Tomasi, lembrou que
a Santa Sé ratificou a Convenção de Direitos da Criança em 1990, e seus
protocolos — um deles relativo à pornografia infantil — em 2000.
Também afirmou, sem fornecer mais detalhes, que a Santa Sé formulou uma
série de diretrizes sobre o tema para facilitar o trabalho das
paróquias. Estas, além disso, desenvolveram recomendações para evitar os
abusos, disse o representante, citando a Carta de Proteção de Crianças e
Jovens adotada pela Igreja Católica americana em 2005.
Tomasi também ressaltou que, legalmente, a Santa Sé é responsável
apenas pela aplicação da convenção da ONU no território da Cidade do
Vaticano, onde vivem 36 crianças, uma posição muito criticada pelas
associações de vítimas.
Um argumento utilizado nesta quinta-feira, em declarações à Rádio Vaticano, pelo porta-voz Federico Lombardi.
O porta-voz explicou que, embora a Santa Sé seja parte da convenção, "a
Igreja Católica, enquanto comunidade de fiéis católicos dispersos no
mundo, não é parte dela de nenhuma maneira, e seus membros estão
sujeitos às legislações dos Estados nos quais vivem e trabalham".
— Os abusos sexuais na Irlanda, ou os cometidos no seio do movimento
dos Legionários de Cristo, foram casos nos quais os países onde
ocorreram são competentes juridicamente.
Em dezembro, a Santa Sé se recusou a responder ao questionário enviado
em julho pelo comitê da ONU sobre dados das 4.000 investigações
eclesiásticas atualmente analisadas pela Congregação para a Doutrina da
Fé.
Lombardi justificou na Rádio Vaticano esta falta de cooperação,
alegando que estas investigações têm como base o direito canônico,
"muito diferente das leis civis dos Estados".
O Vaticano afirmou que continua recebendo cerca de 600 denúncias contra
sacerdotes todos os anos, muitas delas sobre incidentes cometidos nas
décadas de 1960, 1970 e 1980.
No mesmo dia da audiência da ONU envolvendo a igreja, o papa Francisco
criticou os vários escândalos de pedofilia, "uma vergonha que faz da
igreja alvo de escárnio".
"Se estamos envergonhados? São tantos escândalos que não quero
mencionar individualmente, mas todo mundo conhece!", exclamou Francisco
durante a missa da manhã na residência de Santa Marta, em uma clara
alusão aos crimes de pedofilia, mas também à corrupção por parte de
padres católicos nos cinco continentes.
"Esses escândalos, alguns que nos fizeram pagar tanto dinheiro: e é
assim que devemos fazer...", acrescentou, citando implicitamente a
indenização paga às vítimas desses crimes por algumas dioceses,
especialmente americanas.
— [Estes escândalos são] a vergonha da igreja. Mas temos vergonha
desses sacerdotes, bispos, leigos? Essas pessoas não têm uma ligação com
Deus. Tinham apenas uma posição na igreja, uma posição de poder.
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